Água-morta

Hoje acordei meio que como debaixo d'água. Tudo na mais perfeita vagarosidade. Monótono. Aquele tédio que chega e que, de tão tedioso, instala-se. Não bastasse toda lentidão, veio-me então aquela visão embaçada das coisas. Distorcida e até doída. Aquela que você se esforça e então se esforça mais um pouco e ainda assim os olhos não conseguem ficar abertos por muito tempo. E quando o ficam, não enxergam muito mais do que manchas disformes, movimentando-se incoerentes. Sem falar das palavras... Percebi todos os seus esboços, mas eram tão distantes e ruidosos que sequer passaram ouvido a dentro. E quer saber? Não me foi de todo ruim. Uma alienação do mundo de vez em quando cai bem pra qualquer um. De que me adiantaria num dia como hoje enxergar apenas a dificuldade de interagir com o mundo, se foi hoje que me livrei  um pouco do peso cotidiano? Os movimentos lentos não me cansaram o corpo, que corre todo dia contra o tempo e ainda achamos que isso é vida. Os sons distantes não me cansaram os ouvidos, que constantemente sofrem com as palavras de egoísmo e inveja que destroem o respeito e o carinho. A visão embaçada me livrou das atrocidades humanas que convivemos dia a dia sem nos importarmos, como se fosse o normal. Os pensamentos leves me permitiram descansar da neurose natural que atordoa, estressante e psicótica, o convívio. É, de quando em quando eu mergulho nessa água, que me distancia do mundo externo e que me dá de presente uma leveza anti-gravitacional, completa, inteira. Mas o monótono me cansa. E ainda bem que o dia de hoje acabou, porque o meu mundo é o terrestre, fora da água - o meu mundo é o humano-vivo.

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