Sombra



Ele é tudo o que ela o ensinou a ser. Gostos, instintos, todos refletem a personalidade dela que ele absorveu por completo. Eles são um só. Suas vidas se tornaram uma. Não é à toa que ele tenha sofrido tanto com a perda. Perdê-la significou perder-se a si mesmo. Mas assim mesmo ele a tinha e a tem em tudo o que faz e diz. Mesmo a perdendo, ela ainda ficou presente, terrivelmente presente nele. Na sua força. Na sua determinação. Descrença. Tudo dela, por ela, para ela. Ela o fez conhecer-se tanto quanto ele mo faz. E quanto mais dela eu vejo nele, mais dele (e dela) eu quero pra mim. Quero toda a autoconfiança de ambos e toda a liberdade de ser. Porque o olhar dela me convida, suas cores e vida desmoronam minha sutil prisão interna. E ele a quer - mais do que a mim. Ele ama o meu jeito, minha bondade. Ama a menina que sou quando ele precisa. Ama a mulher que eu desperto quando ele deseja. Mas mais, ama o poder dela. O poder feminista, de exaltação do próprio eu. O poder de criar e viver seu próprio mundo. Tenho medo dessa neurose que me invade. Não quero ser o que ela é. Mas quero profundamente absorver tudo o que ela oferece. Tudo que já o preencheu e tudo que pode me preencher. Sinto já uma certa loucura pelo anseio de conseguir pra mim o que ele tanto quer e que me faz querer também. Busquei a mim com meu egoísmo amável. E o fiz porque ele me mostrou que esse era o melhor caminho. Hoje meu egoísmo é fruto do dela. Quero a mim porque ela quer a si. Busco a minha satisfação porque ela busca a dela. Confesso um certo medo de perder o meu eu pra viver em mim o seu. Mas por ora, essa é a minha motivação. Quero tê-lo tanto quanto ela o tem - e quero mais. Obrigada, obrigada. Hoje você me domina, inspira, mata - e sequer me conhece.

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