Flores secas



Horas tardias, os olhos fecham perturbados. Das luas que passam, vejo nuvens, belas nuvens que enegrecem ainda mais a vista já turva pela embriaguez de lágrimas desiludidas. Café bem forte e doce - bom dia? Canta o galo-de-parede o gosto amargo na alma, repetidos alvoreceres. Procuro o controle da sensatez, mas meu peito bate em sinfonia de loucura. Sinto o cheiro de chuva como quem aguarda ansioso a limpidez das gotas cristalinas quebrando a estiagem, mas as nuvens carregadas de esperança se vão com o simples soprar da angústia. Traiçoeira. Choro ainda as dores que desabrocharam naquela primavera em que a vida quis brincar um pouco com a bela felicidade daquela humana, que só sabia amar, e trouxe um equinócio de noite e dia não iguais, separados por um profundo vácuo inimaginável aos puros de coração. Mais uma vez, provou-se a felicidade ser efêmera. E, tão fácil como nunca, uma ponte forte, de ar majestoso e triunfante, ergueu-se no caminho entre aquele dia e aquela noite, carregando suspiros estáticos, inseguros diante de tanta grandiosidade. E toda vez que passo pela ponte em mente, renasce em mim o espírito funesto de posse. A janela da insegurança que se abriu convidativa aos meus olhos tornou-se a minha causa desesperada de busca. Busco quanto? Sinto que não me é estranho esse lugar. Caminho desconfiada pela ponte, alimentando-me da vontade de possuí-la toda. Quero a ponte, quero um lado e quero o outro. Quero a surpresa da lágrima, quero o resmungar do medo e quero a profundeza da amargura. São gigantes que se erguem sobre a ponte e me seduzem. Sonho e me aprisiono a eles como se aprisiona o homem às lembranças que nunca podem ou querem ser esquecidas. Noite fria, de flores secas. Já é outono, as folhas caem. E nesse entardecer, adormece a paz, condenada a viver no plano imaginário, enquanto reina a incerteza, dançando embalada à sonata. E sigo amando ao som da grandeza da ponte ainda erguida sob meus pés e diante de meus olhos. Sonata ao luar.

Comentários

Marcelo Pulido disse…
Seu texto me traz lembranças... Que lado da ponte escolher? Boa pergunta, não dá pra ficar com os dois. Mas dá para retornar pela mesma ponte de vez em quando, enquanto a água não a leva.
Parabéns pelos textos!
Daniel Fantini disse…
Lindo texto! O sentimento que vc coloca nas palavras é quase tangível...
parabens!