Avivaugá

Pego o livro e não o leio. Temo as verdades que ali aterrorizam. Evito as palavras que me atingem os olhos com uma aspereza pontiaguda até alcançar o âmago de minha identidade. Fujo das páginas brancas com suas letras pretas. Branco pálido, preto amargurado. Cheiro de vida - morta na impressão. Mais uma vez as palavras me atormentam. Sei que preciso. Preciso profundamente de olhos, ouvido e boca, mas aqueles emaranhados de letras ali postuladas feito sermão me são insuportavelmente arrasadores, tal como as pedras de Davi sobre Golias. Acertam-me naquele lugar que procuro esconder de mim mesma. Certeiras, doem — facadas nos olhos, na mente, no fígado embriagado. Mas não me desapego. Não! Não descarto o livro; vivo-o. E o faço tão intensamente que seria capaz de comprá-los todos para mim, para que ninguém mais vivesse a minha vida. As próprias palavras que o intitulam já me remetem às sombras, enegrecidas formas malemolentes que transparecem os passos. Assim, enquanto o evito, absorvo-o. Entro em suas palavras como em jardim de rosas. Admiro sua beleza estonteante, forte e de divina sensualidade, e firo-me com os espinhos que mal posso ver, mas que meu corpo todo se retorce ao tocar. E na inconsistência do jardim úmido que descubro, uma morte-vida abre as portas para uma lúcida loucura, embebedada no prazer e na dor do (re)conhecer-se.

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