Ao amor que se foi antes de ser

Escrevo-te hoje, meu bem, as palavras que não ousaram sair de minha boca em tempos de maior (im)pertinência - já não as suporto mais, sufocantes, querendo rasgar-me por completo a cada vez que meu corpo se vê em tua presença. Sim, meu bem, eu sei que falhei. Não soube perceber tua dor mascarada de aceitação, não fui suficientemente sensível para considerar tua inocência e fragilidade emocionais acima dos meus rubores de afeto. Falhei, minha pequena, ao te envolver em minha loucura despeitada exigindo tua crença e compreensão à individualidade dos amores que carrego em mim. Por isso, escrevo-te hoje inundada pela nudez dos meus sentimentos mais genuínos, desprezíveis e desprezados nas incertezas de sua vastidão, como quando se percebe pela primeira vez o antitético temor-fascínio frente à pequenez de ser corpo-mente-espírito humano num Universo sem fim. Escrevo-te, meu bem, pois a genuinidade do meu sentir não me basta para ser feliz; trago comigo a dor e a beleza de provar da maçã traiçoeira e adentrar num jardim de rosas e espinhos a cada vez que me permito amar. Escrevo-te por nunca a ti ter dito que teu sorrir me fez despertar as borboletas que me habitam, viscerais, o âmago. Escrevo-te para que saibas que eu quis te oferecer todo o meu cuidar, mesmo quando me calei. Pois quando a ti apresentei meus maiores anseios, omiti que você estava prestes a fazer parte deles. Escrevo-te porque nossas ideias, tão divergentes, não me permitiram dizer-te com todas as letras: eu me apaixonei.

 (Balloon girl, Banksy, 2002)