Sol



      Joan Miró


Queria lhe dizer que
O vermelho lhe cai bem.
Do que mais me lembro?
Talvez daquela espontânea intenção
Discretamente exacerbada pelo escarlate.
Sim, pode até ser que seja circunstancial, a vida
Mas o vermelho lhe cai muito bem.
Quase como a própria personificação do arrebol
Adriático vermelho-carne entremeado por cristalinas
Gotas de azul-verde-vítreo, fugazes.
Carne de leão sob pele de cordeiro.
Ponho-me a pensar se o sal das suas encostas
Quando cobertas do vermelho-este, que lhe cai bem,
É o mesmo de quando seu sussurro dança, doce,
Rompendo-me as certezas da razão.
Lembro-me, ainda, do extasiado momento
Em que minha rabiscada nudez
Refletiu o sangue, o seu vermelho-sangue,
Tal que me pulsou afeto em compassos arritmicos,
E me soprou astutamente a brasa adormecida.
Pego-me de todo apegada aos instantes
Embriagados que antecederam o mais puro ser-me,
Completo rubor.
Porquanto, tanto  a escassez de suas águas
Me seque os olhos a lhe perder de vista,
Só me atrevo a lhe dizer que,
Diante da pálida ausência de fervor que nos arrebata,
O vermelho nos cairia, hoje, demasiadamente bem.

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