Serpear



Sinto e sei que só sou o que sou porque sinto demasiado sem saber o que sentir.
Sentir.
Sem ter.
Sem tato.
Sensato?
Se sinto, sou fato consumado. Consumo minha própria intenção de ser. E sinto - logo, sou. Sigo sendo sentinela do meu próprio santuário. Sou ar, sou brisa. Me desprendo. Soo borbulhas, sou famigerado acúmulo de sons sem sentido. Soam tilintantes.
- Um frisante, por favor.
- Sim, sem hora.
Sou cálices, três ou cinco, sou copa derramada. Esparramada. Espalho a rama, sou prosa inata, sem hora pra dormir. Sou sem saber a quem sonho. Mas sou; e sei.
Se sinto o sol queimar a pele é porque tenho pele que apela por sentir o calor do sol. Mas quando queima mais a vista, é porque fui sem sentido, só. Senti tanto que menti o que sinto, sentimentos soltos.
Areia movediça.
Que move.
Que suga.
Que cede.
Sedenta.
Tenho sede. Rastejo à fraga, quero aguaceira que corre sem temer a queda. Efervesço, saltito. Solto a pele e sou novo ar, sinuosamente. Sinuosa a mente. Desprendo mais. Carrego relento ao sol, transformo em cor. Sou ciclo que se fecha em si e que a si se abre - sentido do ser que só é quando sabe que é e sente a si, ao todo.
Sou o que sou.
E ai de mim, que sinto demasiado sem sentido.

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